segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Mulher: uma questão para a psicanálise



Autoria: site de divulgação
da XV Jornada das Escolas Lacanianas de Psicanálise em 2016


- Uma pergunta para a psicanálise - 
 Um laço especial liga a psicanálise com as mulheres. Foram elas que abriram as portas do inconsciente para Sigmund Freud, conduzindo-o à criação da psicanálise. Desde então, a questão freudiana "o que querem as mulheres?" é central para a prática analítica.
Sobre a questão da feminilidade todos os homens têm refletido, em todos os tempos, mas não só eles suaram rios de tinta e paixão sobre este mistério: também afeta as mulheres.
A psicanálise mostra que o feminino "pela natureza das coisas, que é a palavra"1, é o protótipo da alteridade para todo o ser falante. Existem "mulheres". Elas são as únicas que vêm para a psicanálise oferecendo uma variedade de figuras, tanto mais diversas, quanto, ao mesmo tempo, não há nenhuma essência que defina o que é "mulher".
O enigma do feminino continua perturbando a suposta universalidade dos ideais e valores definidos. A psicanálise de orientação lacaniana revela que qualquer tentativa de reduzir a diversidade feminina a um todo universal, provoca danos à subjetividade e a cultura que podem ser irreparáveis.
Jacques-Alain Miller para a atualidade já havia assinalado que a aspiração à virilidade, classicamente descrita por Freud, foi substituída hoje por uma aspiração à feminilidade, isto é, trazendo suas palavras para a atualidade. Esta mudança não é derivada somente da ascensão do feminismo, ou a inclusão de mulheres na cultura, economia e política, mas é principalmente devido ao avanço de uma sociedade que está se acostumando com a dissolução dos ideais normativos, particularmente aqueles que buscam regular as relações entre os sexos.
Ao mesmo tempo, o ódio e a rejeição as mulheres continuam. O esforço para conter a violência de gênero, por meio de campanhas de educação e prevenção, não parece produzir mais do que um registro estatístico dos casos, sem obter os resultados esperados. Para piorar a situação há lugares no mundo onde as mulheres estão sujeitas a rejeição e a degradação, culturalmente aceita, em todos os níveis da vida pública e privada.
As transformações nas sociedades ocidentais contemporâneas mudaram os papéis em que tradicionalmente as mulheres foram colocadas e também os seus significados. A mulher moderna pode jogar o jogo da vida na lógica masculina, tanto no plano erótico – tornando os homens objetos usados ​​para o próprio gozo, sem que haja amor - quanto no profissional - postergando o casamento e a maternidade para alcançar os objetivos do mercado. No entanto, esta estratégia tem suas desvantagens: quanto mais funcionam como "eles", mais elas se perdem. A experiência clínica nos ensina que a separação entre amor e sexo leva muitas mulheres ao sofrimento, porque o amor em suas várias formas segue sendo-lhes imprescindível.
Falar-amar-gozar, é a sequência habitualmente necessária a vida erótica das mulheres. Elas podem dirigir uma, ou outra vez suas demandas de palavras contra um parceiro hermético (que pode ter o sentido de silencioso, enigmático), ou talvez se deslumbrar com aquele ou aquela, cujas palavras levem-nas a um estado de felicidade extra-ordinária.
No extremo, encontramos certa "loucura" feminina derivada da busca de um amor absoluto, pelo qual algumas estariam dispostas a dar tudo: a sua dignidade, os seus bens e até mesmo a vida. Um estrago, entendida como uma devastação que não conhece limite, este é o preço que essas mulheres pagam por sua insaciável demanda por amor.
Em resumo: a relação entre os sexos se torna um assunto de discurso assegurado a perpetuidade. O desejo é uma busca interminável e o amor uma forma de se "salvar" de suas armadilhas. Nesse sentido, isso não é diferente de ontem ou amanhã. Feminilidade foi, é, e permanecerá sob interrogatório constante.
A novidade é que o discurso dominante não está interessado em abordar as grandes questões. Vivemos no tempo das respostas para tudo, daquelas que provém da ciência e sua causa genética e neurológica, das que nos chegam da psicologia em termos de adaptação do comportamento, ou das que oferecem a técnica com a sua vontade ilimitada de agir no mais íntimo da vida humana.
É uma ilusão acreditar que ao estudar o genoma ou o cérebro, a verdade do falante chegará a ser revelada, já que há um limite intransponível, o qual nenhum saber pode dar conta. A mulher é um dos nomes deste limite. Por outro lado, constatamos a aparição de novos semblantes e formas inéditas de “aparecimento” que são: as mulheres que se tornam homens; que entram na maternidade por meio da fecundação de um óvulo com um esperma de doador anônimo; que se casam com outra mulher; que estão sozinhas; além das que comandam empresas e se alistam no exército. A clínica psicanalítica mostra que existe nesses labirintos a possibilidade de que uma mulher pode encontrar a sua própria solução. Se trata de orientar-se segundo o modo singular de gozo de cada uma, dando-lhe a dignidade que merece.
Jacques Lacan nos convida a deixar-nos ser questionados pelo feminino, sabendo que ele nunca pode ser dito em totalidade, o que não impede que o discurso analítico possa fornecer algumas referências sobre as mulheres, uma por uma.

Nota de Rodapé:
- [1]  Lacan, Jacques: Lição de 20 de fevereiro de 1973

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