quarta-feira, 28 de junho de 2017

A Fantasia na psicanálise - VII Encontro Nacional do Corpo Freudiano



Texto de autoria do Psicanalista Marco Antonio Coutinho Jorge
Não é sem motivo que Lacan concebe o fim de análise como ligado à questão da fantasia, mencionando a sua travessia. A fantasia é uma espécie de matriz psíquica que funciona mediatizando o encontro do sujeito com o real – o impossível de haver relação sexual. Como formula Lacan: “Na medida em que o objeto a faz em alguma parte o papel do que vem em lugar do parceiro que falta é que se constitui o que costumamos ver surgir também no lugar do real, isto é, a fantasia.” Ela é uma matriz simbólico-imaginária que permite ao sujeito fazer face ao real do gozo. Como em Freud, para Lacan a fantasia constitui igualmente o próprio princípio de realidade para o sujeito: “Essa fantasia, em que o sujeito é preso, é, como tal, o suporte do que se chama expressamente, na teoria freudiana, o princípio de realidade.”
A fantasia fundamental, concebida por Lacan como “o que instaura o lugar onde o sujeito pode se fixar como desejo”, pode ser considerada uma espécie de prisão domiciliar do sujeito: nela ele se encontra confortavelmente instalado, rodeado pelos s objetos investidos por sua libido e pelos objetos que lhe são familiares, desfrutando de uma tranquilidade que beira a inércia – mas está preso! Em seu interior, ele segue uma vida regida pelo princípio de prazer, mas, sem se dar conta disso, encontra-se radicalmente limitado por tudo aquilo que é prazeroso. O sujeito só perceberá que se trata efetivamente de uma prisão ao fim da análise. Também é bastante comum ouvir-se no cotidiano alguém dizer: “Tudo o que eu quero é paz!” Analiticamente, é possível ouvir nesse pedido de paz o eco de outro pedido: “Não me tirem de meu conforto fantasístico.”
A metáfora da prisão domiciliar é fecunda para tratar da fantasia: a prisão limita os movimentos do sujeito, dá um enquadramento restrito a eles, torna suas explorações no mundo pequenas e confinadas a determinadas regiões já conhecidas. Trata-se de uma redução brutal de sentido, constituído pela articulação simbólico-imaginária, para fazer face à falta de sentido do real. Como formula Lacan nessa mesma direção, “o próprio sujeito se reconhece ali como detido, ou, para lembrar-lhes uma noção mais familiar, fixado.”
A fantasia é sempre fantasia de relação sexual possível, e atravessar a fantasia é deparar-se com o impossível em jogo na relação sexual. Poderíamos, então, pensar que o fim da análise, como travessia da fantasia, é uma travessia da fantasia amorosa, para o neurótico, e uma travessia da fantasia de gozo, para o perverso.  O fim da análise implicaria dar acesso ao neurótico ao polo do gozo do qual ele tanto se defende, e, no caso do perverso, implicaria o acesso à dimensão do amor, da qual ele também se defende. Mas o que mais importa nessa travessia não é apenas o fato de o sujeito ter acesso ao outro polo da fantasia, e sim que, ao fazê-lo, tenha acesso à dimensão que está escrita, no matema da fantasia, entre o $ e o a, que é a dimensão do desejo, inscrita no signo da punção: ◊. O desejo, aqui, está escrito como falta; e essa falta é a presentificação daquela perda de gozo que esteve na origem da entrada do sujeito no mundo humano, no mundo do simbólico.
(Marco Antonio Coutinho Jorge, 2017)

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