Texto de autoria do Psicanalista Marco Antonio Coutinho Jorge
Não é sem motivo que Lacan concebe o fim de análise
como ligado à questão da fantasia, mencionando a sua travessia. A fantasia é
uma espécie de matriz psíquica que funciona mediatizando o encontro do sujeito
com o real – o impossível de haver relação sexual. Como formula Lacan: “Na
medida em que o objeto a faz em alguma parte o papel do que vem em lugar
do parceiro que falta é que se constitui o que costumamos ver surgir também no
lugar do real, isto é, a fantasia.” Ela é uma matriz simbólico-imaginária que
permite ao sujeito fazer face ao real do gozo. Como em Freud, para Lacan a
fantasia constitui igualmente o próprio princípio de realidade para o sujeito:
“Essa fantasia, em que o sujeito é preso, é, como tal, o suporte do que se
chama expressamente, na teoria freudiana, o princípio de realidade.”
A fantasia fundamental, concebida por Lacan como “o
que instaura o lugar onde o sujeito pode se fixar como desejo”, pode ser
considerada uma espécie de prisão domiciliar do sujeito: nela ele se encontra
confortavelmente instalado, rodeado pelos s objetos investidos por sua libido e
pelos objetos que lhe são familiares, desfrutando de uma tranquilidade que
beira a inércia – mas está preso! Em seu interior, ele segue uma vida regida
pelo princípio de prazer, mas, sem se dar conta disso, encontra-se radicalmente
limitado por tudo aquilo que é prazeroso. O sujeito só perceberá que se trata
efetivamente de uma prisão ao fim da análise. Também é bastante comum ouvir-se
no cotidiano alguém dizer: “Tudo o que eu quero é paz!” Analiticamente, é
possível ouvir nesse pedido de paz o eco de outro pedido: “Não me tirem de meu
conforto fantasístico.”
A metáfora da prisão domiciliar é fecunda para
tratar da fantasia: a prisão limita os movimentos do sujeito, dá um
enquadramento restrito a eles, torna suas explorações no mundo pequenas e
confinadas a determinadas regiões já conhecidas. Trata-se de uma redução brutal
de sentido, constituído pela articulação simbólico-imaginária, para fazer face
à falta de sentido do real. Como formula Lacan nessa mesma direção, “o próprio
sujeito se reconhece ali como detido, ou, para lembrar-lhes uma noção mais
familiar, fixado.”
A fantasia é sempre fantasia de relação sexual
possível, e atravessar a fantasia é deparar-se com o impossível em jogo na
relação sexual. Poderíamos, então, pensar que o fim da análise, como travessia
da fantasia, é uma travessia da fantasia amorosa, para o neurótico, e uma
travessia da fantasia de gozo, para o perverso. O fim da análise
implicaria dar acesso ao neurótico ao polo do gozo do qual ele tanto se
defende, e, no caso do perverso, implicaria o acesso à dimensão do amor, da
qual ele também se defende. Mas o que mais importa nessa travessia não é apenas
o fato de o sujeito ter acesso ao outro polo da fantasia, e sim que, ao
fazê-lo, tenha acesso à dimensão que está escrita, no matema da fantasia, entre
o $ e o a, que é a dimensão do desejo, inscrita no signo da punção: ◊. O
desejo, aqui, está escrito como falta; e essa falta é a presentificação daquela
perda de gozo que esteve na origem da entrada do sujeito no mundo humano, no
mundo do simbólico.
(Marco
Antonio Coutinho Jorge, 2017)
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